- Vc?
E ela deu leves passos na minha direção e sem eu notar, levantou a mão esquerda pra poder acariciar o meu rosto. A sua mão foi parada pela minha, eu agarrei o seu pulso, e ela sentiu pela primeira vez o meu toque. Segurei firme mas com suavidade... a pele dela parecia seda...
- Precisava ver vc.
Dei um passo a frente e ela conseguiu sentir meu hálito quente a tocar-lhe o rosto.
- Porque desapareceste?
A voz dela era constante, parecia recear a resposta, no entanto as palavras surgiram-lhe como se a questão fosse um simples "Olá".
Meus olhos desviaram-se dos dela... fiquei pensando numa resposta plausível pra lhe dar.
- E se eu dissesse a vc que estive longe pra proteger vc?
Percebi que a resposta tinha levantado mais questões a ela, essas que percorrem diariamente a mente.
- Não acreditaria... a idéia de o ter por longe me faz estremecer.
- Porque? Acha que não me deve temer? Estás redondamente enganada.
- Como eu poderia temer vc, que tem os olhos mais puros que já vi?
Deu-se uma pausa momentanea... e nos olhamos, e ela continuando disse:
- E porque haveria de te temer?
As palavras demonstraram o quanto aquela declaração a tinha magoado.
- Se nos conhecessemos melhor tenho certeza que nunca mais irias querer me ver.
Eu já me sentia arrependido do que tinha acabado de dizer.. mas não desfiz minha postura rija e firme.
- Cada vez que te vejo, em vez de me sentir esclarecida com as tuas respostas sinto-me ainda mais confusa e novas perguntas me surgem. Porque eu não haveria de conhecer?
- Achas que me conheces melhor do que eu conheço a mim própia, é?
- Achas que eu não me conheço? - É claro que sei quem sou, sei de onde vim e aonde eu pertenço. Porque pões isso em questão sequer?
Num sopro só ela colocou o seu ponto de vista sobre a mesa, mostrou as cartas que tinha mantido escondidas até o momento. Como poderia eu sequer questionar sobre o seu auto-conhecimento?
- Acredite que se me conhecesses não estariamos aqui, e vc não me dirigirias a palavra.
- Cada palavra que sai de dentro de ti parece transbordar mistério, parece que esconde pra si um segredo que não podes partilhar com o mundo.
- Então porque não me dizes quem sou? Pelo visto sabes mais que eu.
Amargamente as palavras sairam-lhe da boca.
- Não deveria ser eu a dizer-lhe, não tenho esse direito, nem perto de vc eu deveria estar.
As vezes tenho raiva de ser assim; não saber se tudo isso é uma benção ou uma maldição em minha vida.
Queria eu não ver e não sentir essas coisas... Infernooooooooo!!!!
Passei a mão pelos longos cabelos que lhe caiam pelo rosto.
- Importa-se de parar de dizer isso? Até eu já percebi que não deveria estar perto de ti, mas então porque sinto esta necessidade de te ter próximo de mim?
- Diz-me! Tem alguma coisa haver com a pessoa que sou? Serei eu uma total desconhecida de mim própia?
E com a sonoridade de sua voz mais exaltada continuou...
- Porque não me dizes? Só tens dado voltas e mais voltas e não me deste uma resposta, só tens tirado mais perguntas! Porque não me explicas de uma vez o que nos separa?
- Porque não me dizes o que nos impede de estar juntos?
Ela tinha que dizer tudo aquilo, a verdade é que as coisas estavam cada vez mais estranhas... e cada vez mais ela sonhava e cada vez menos conseguia tirar algum sentido dos seus sonhos, e nitidamente percebi que ela desesperava por respostas. Ela precisava saber o que se passava a sua volta.
- Porque tudo tem de ser um mistério? Porque não podes ser claro?
Ela precisava receber algumas respostas, precisava saber o que passa, pois eu não quero me aproximar do sentimento de loucura novamente. Mas eu não posso dizer nada, não posso e não quero expor meus demonios internos, nem tão pouco exclarecer os "mistérios" que fazem da minha vida uma noite nebuloza, fria, triste.
- Porque não posso! Não posso responder isso a vc... Porque não tenta perceber por vc mesma?
Eu conflitando-me comigo mesmo, dentro de mim, entre dizer e não dizer... eu não podia revelar os meus segredos. Mas porque?
Eu estou aqui, porque vim se não posso, se não consigo contar, e sei que ela precisa saber mais que ninguem.
Queria dizer mas não consigo. Ela é especial, sempre foi... não posso eu desmanchar aquele encanto com a noticia de que não teriamos futuro.
E ela num suspiro seguido de um subto impulso disse:
- Não quero mais respostas... não quero mais porques, quero apenas seus olhos nos meus... quero a clareza desta noite e não as respostas sobre teus mistérios.
Então novamente ela ergueu a mão esquerda e dessa vez, pousou suavemente sobre meu rosto. Fechei os olhos e apenas senti aquele toque que parecia ser feito com velúdo... senti que ela se aproximava mais de mim pelo calor do seu corpo se aproximando do meu.
Então abri os olhos... Ela estava tão perto...
A olhei dentro dos olhos que refletiam a luz da lua.
Então ela fechou aqueles grandes olhos, encostando sua boca a minha...
Abracei-a pela cintura, encostando seu corpo ao meu... sentindo sua respiração descompaçada... e nos beijamos... um beijo doce, suave, a muito desejado...
Quando senti um leve gosto salgado... olhei-a... eram suas lágrimas que umideciam ainda mais nosso beijo...
Segurei seu rosto... passando o polegar por sua face... enchugando então sua lágrima... e perguntei porque, e ela respondeu.
- Medo! Que essa magia, esse sentimento que vc me transpassa como uma luz enorme capaz de clarear a noite mais escura acabe.
Fiquei sem resposta, pois sei da incerteza do meu futuro...
A beijei mais uma vez... segurei suas mãos que cincundavam meu pescoço, com a maior delicadeza, baixei-as... olhando sempre nos seus olhos... e sem uma única palavra fui me retirando... dei as costas... percebi que ela ficou atônica, sem reação... e enquanto ia embora, escutei apenas os suluços do seu choro, e o estralo da porta se fechando.
=/
TDFV
SONHANDO...
